sexta-feira, 11 de junho de 2010

A globalização e a liberdade de expressão

Por Gutierres Siqueira

O fenômeno chamado globalização tem como uma de suas características a ampliação da informação por meios eletrônicos que surgem mediante a inovação e a competição tecnológica. A necessidade do homem como animal social é comunicar, informar e ser informado. Ao mesmo tempo que o mundo vive uma efervecência de informação, ainda há muitas sociedades que estão sob regimes totalitários.

Quando se estuda a globalização e a liberdade de expressão, logo duas questões surgem: 1) A globalização e a sua consequente inovação tecnológica estão ajudando na consolidação da democracia no mundo? Eis um problema que nasce da reflexão sobre o papel que os templos globais exercem sobre os processos políticos internos de várias nações no mundo. 2) Outra questão importante é se a democracia reclamada pelas sociedades liberais não é mais um processo de hegemonia cultural por parte das grandes empresas de comunicação. Assim pensam aqueles que defendem uma restrição de grandes grupos comunicacionais, pois argumentam que a liberdade de expressão não pode ser confundida com a liberdade das empresas.

A hipótese para a primeira questão é positiva. A globalização, por meio da tecnologia, é um poderoso auxílio na transmissão de informações. Tal processo não é parte de um movimento organizado ou proposto por um líder carismático com um partido forte. A liberdade de expressão é uma reação espontânea que as novas tecnologias permitem. A expressão dos sentimentos mais íntimos é a essência da comunicação digital. Não é à toa que os blogs nasceram como diários virtuais de adolescentes que partilhavam detalhes de suas vidas na web. Depois, os blogs ganharam espaço na divulgação de ideias políticas, econômicas, ideológicas e partidárias.
Levando em conta a segunda questão, a hipótese é de que a liberdade sofre dois tipos de restrição: a humana ou a “natural”. A primeira restrição pode ser chamada de censura, mas a segunda não. Quando alguém não tem um computador com acesso à internet, por exemplo, esse não está sendo censurado. A falta do meio eletrônico (computador pessoal, notebook, netbook ou celular) é um processo “natural”. Vários fatores determinam a não posse do objeto. Já quando alguém é blogueiro e outro intervém em seu acesso à internet, aí sim há uma censura. A censura tem raiz latina e significa “pesar, avaliar e julgar”. Portanto, censurar é uma ação de restringir a liberdade de uma pessoa contra outra pessoa ou de um grupo contra outro grupo. Não poder, por exemplo, construir uma grande emissora por falta de condições financeiras não é censura, como argumentam os defensores da própria censura, tentando justificar os seus atos.


01) Tecnologia, globalização e acesso à informação, dialogando com Thomas Friedman

A inovação tecnológica caminha junto com a globalização. A competição é o motor que move a industria da tecnologia. A tecnologia abre espaço para a comunicação mais ampla e barata. Os modernos meios de comunicação são cada vez mais eficazes contra atos de censura. Portanto, raciocinando assim, a globalização é um facilitador da liberdade de expressão. Assim pensa o escritor, ensaísta e jornalista Thomas Friedman, autor do livro O Mundo é Plano [1], um tratado pró-globalização.

“A globalização não é uma ideologia nem um programa econômico a ser defendido; é, isso sim, uma interpretação daquilo que está acontecendo no mundo”[2], defende Friedman. Portanto, a globalização é um processo de séculos de integração dos povos. O transporte, a comunicação, o comércio e outros fatores têm diminuído a distância entre os povos e suas culturas. Não é por acaso que a democracia avança como um valor nessa era da informação, mesmo em ditaduras fechadas.

No Irã, o uso do Twitter por meio de celulares conectados à internet, por exemplo, permitiu que o todo o mundo soubesse da repreensão política que o regime comandado pelo aiatolá Ali Khamenei e pelo presidente Mahmoud Ahmadinejad implantaram nas eleições fraudulentas de 2009. Na China, a repreensão do Estado policial aos tibetanos foi repassada em imagens produzidas por telefones celulares. Em Cuba, a blogueira e jornalista Yoani Sánchez manda suas impressões da ilha sob a ditadura castrista, além do incentivo e treinamento de jovens blogueiros.

Todos esses exemplos mostram a tecnologia a serviço da liberdade de expressão. Thomas Friedman comenta:

Aqueles países que possuem boas instituições vão se dar bem em tempos globais, os que não tiverem vão ter um problema sério para resolver. E isso não tem apenas a ver com os altos e baixos da economia. Seu governo é uma espécie de tomada, que liga você ao sistema. Se ele for um bom governo, você estará ligado com segurança. Se for corrupto ou fraco, o trânsito entre seu país e o 'rebanho eletrônico', ou seja, o fluxo de capitais que se move digitalmente pelo mundo, será interrompido, asfixiando sua economia. E isso acontece não apenas porque as ditaduras e a corrupção sejam imorais, mas porque elas são antiprodutivas. Um bom governo tem de ser equipado com uma burocracia eficiente e honesta, bons tribunais, boas instituições regulatórias. As pessoas estão excessivamente preocupadas com o chamado 'abismo digital'. Eu não. Em cinco anos, quem hoje ganha apenas o equivalente a 1 dólar por dia poderá comprar um Palm Pilot (smartphone americano). A democratização tecnológica se encarregará disso. Mas será que daqui a cinco anos teremos a segurança de que, por exemplo, os julgamentos serão justos em Manaus, sem que os juízes brasileiros sejam corrompidos? O que dizer do abismo entre as pessoas? É isso que importa. [3]

Portanto, é possível que a tecnologia possa, diferente do que temido por George Orwell, servir como controle do Estado pelo indivíduo e não para o controle exercido pelo Estado.

02) Liberdade de expressão é necessariamente liberdade de imprensa, dialogando com Isaiah Berlin

Não há sentido em falar que as empresas de comunicação exercem uma ditadura nas democracias. Em primeiro lugar, em um país com instituições estáveis (como Brasil, União Europeia, África do Sul, Japão, Canadá, EUA e outros) é possível que qualquer empresário, com condições financeiras para tal, possa abrir uma empresa de comunicação com uma linha editorial própria. Nenhuma empresa de comunicação, em países estáveis institucionalmente, pode impedir a abertura de outra empresa.

A verdadeira censura não é a impossibilidade física, biológica, econômica ou geográfica de fazer alguma coisa. Censura é ato de pessoa contra pessoa. O filósofo lituano Isaiah Berlin, que foi professor da Universidade de Oxford, argumentava nesse sentido:

Mas o sentido em que isso o torna não livre não é necessariamente mais social ou político do que físico, histórico ou geográfico. Quando a sua falta de liberdade é concebida como caracteristicamente social ou política, o que está implícito é que ele é impedido de conseguir, fazer ou ser algo específico por fatores sociais ou políticos, isto é, pela relação dos outros seres humanos com ele.[4]

Berlin lembra que a censura é restrição de liberdade quando essa é possível de ser exercida. Por exemplo, reclamar que poucas emissoras mantêm repórteres no interior da Amazônia ou no Cazaquistão não pode ser comparado com uma restrição governamental que impede um blogueiro amazonense de denunciar o governo local. O primeiro sofre restrições técnicas e financeiras, o segundo é violentado no seu direito de expressão: "Só reclamo da ausência de liberdade pessoal quando num certo sentido acho que estou sendo impedido de fazer o que quero por outros seres humanos que poderiam, no que diz respeito às leis de natureza material, comportar-se de forma diferente” [5], escreveu Berlin.

03) Exemplo na Venezuela

Hugo Rafael Chávez Frias assumiu a presidência da Venezuela em 02 de fevereiro de 1999, e se mantém até hoje no poder por meio de duas reeleições (2000 e 2006). Eleito democraticamente com amplo apoio dos movimentos sociais e partidos de esquerda venezuelanos, Chávez era o militar que antes tentara um golpe de Estado contra o presidente Carlos Andrés Pérez, em 1992. Até então, a Venezuela era um dos poucos países na América Latina que não tinha sofrido um rompimento da ordem democrática através de um golpe.

Em abril de 1999, Chávez convocou um referendo para chamar uma nova Assembleia Nacional Constituinte. Com uma coligação que conquistou 121 cadeiras das 131 disponíveis, Chávez aprovou a constituição bolivariana. Reeleito e com novos poderes, Chávez acabou com o Senado e instituiu um Parlamento com câmara única. Então apoiado pelo crescente preço do petróleo, Chávez aplicou várias políticas assistencialistas perante a pobre população venezuelana, aumentando sua popularidade.

Em 2002, Chávez radicaliza na sua crença contra a propriedade privada: desapropria latifundiários, estatiza os direitos de pesca e aumenta a cobrança sobre direito da exploração do petróleo. Mediante essas medidas, a Fedecámaras, entidade representante do empresariado, convocou uma greve geral de dois dias em abril daquele ano. Pedro Carmona, presidente da entidade, com apoio de militares, da Igreja Católica e de setores da mídia, anunciou a deposição de Hugo Chávez do poder no dia 12 de abril. As ruas de Caracas foram tomadas de violência, com protestos contra e pró-Chávez, resultando em 13 mortes. Chávez foi mantido preso pelo exército e reassumiu à presidência dois dias depois, com apoio de um grupo de militares.

Dentro desse contexto de instabilidade política e econômica da Venezuela, a principal emissora de TV aberta foi fechada pelo governo do país. A RCTV (Rádio Caracas Televisión) não teve a concessão renovada pelo governo. Chávez atribui à emissora, assim como outros canais importantes, a tentativa de golpe ou contra-golpe de 2002. A RCTV deixou de transmitir o sinal aberto às 23:59 do dia 27 de maio de 2007, no fuso horário local. O encerramento do sinal aberto interrompeu a novela mais assistida do país, assim como programas populares.

3.1) Burlando a censura

A globalização abre passagens para furar o bloqueio da censura. No caso da RCTV, os caminhos para a continuação de sua programação foram a internet e o canal a cabo por meio da RCTV Internacional. A RCTV Internacional Corporation e stá situada em Miami (EUA). A emissora foi fundada em solo norte-americano no ano de 1982. Ainda em 2007, o empresário Marcel Granier, presidente do grupo, negociou com empresas de comunicação no México para transmissão da RCTV a partir daquele país. Neste ano porém, a RCTV Internacional foi proibida de transmitir para a Venezuela via sinal a cabo. Em 24 de janeiro, a Comisión Nacional de Telecomunicaciones (Conatel), determinou o encerramento das transmissões do canal internacional. De acordo com o governo de Caracas, os canal não cumpriu com o determinado que exige a veiculação em pelo menos 30% do conteúdo transmitido da Venezuela. A transmissão continua pelo site http://www.rctv.net/.

Conclusão

A liberdade de imprensa e a liberdade de expressão estão relacionadas entre si, e a tecnologia permite o uso livre da informação sem a restrição externa de alguém ou do Estado. A globalização possibilita o maior fluxo de informação, que é o fato em si, não necessariamente as interpretações e ideologias. Mas mesmo essa liberdade de expressão ajuda na divulgação de ideias e diálogos entre escolas ideológicas. O fechamento da RCTV é claramente um ato de restrição à liberdade. Alegando golpismo, o governo personalista da Venezuela tenta impedir que uma voz contrária possa ser ouvida nas ruas de Caracas.

Referências Bibliográficas:

[1] FRIEDMAN, Thomas. O Mundo é Plano: uma breve história do Século XXI. 2 ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. p 560.
[2] FRIEDMAN, Thomas. Perceptivas para o Século XXI. Veja. ed. 1681, 27 dez. 2000. Disponível em: <
http://veja.abril.com.br/especiais/perspectivas/p_090.html> Acesso: 06 jun. 2010.
[3] FRIEDMAN, Thomas. Idem.
[4] BERLIN, Isaiah. Ideias Políticas na Era Romântica: Ascensão e influências no pensamento moderno. 1 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p 150.
[5] BERLIN, Isaiah. Idem.

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